O ideal para o Brasil não
seria uma reforma política. Seria uma revolução política. Ou seja, que houvesse
uma ruptura com o sistema político vigente, o presidencialismo, que desse lugar
ao parlamentarismo.
Porém isto é na
prática impossível. Até por já ter havido um plebiscito sobre a questão, há
quase 22 anos (para a história tempo relativamente recente), e cujo resultado
redundou numa ampla vitória do presidencialismo sobre o parlamentarismo. Mesmo
com a maior parte das forças políticas de então tendo apoiado o parlamentarismo.
Entretanto, dentro
do marco possível, o presidencialismo, muita coisa pode mudar para tornar o
sistema de eleição, principalmente dos Legislativos, mais racional e funcional,
já que o que existe hoje é um autêntico regabofe.
Minha reforma
política ideal, além da mudança do sistema de eleição do Legislativo, conteria
mudança das regras de financiamento para campanhas, tempo de campanha,
descentralização administrativa, com a criação de governos e parlamentos
distritais e desmembramentos de municípios e Estados, mudança do calendário
eleitoral, vínculo do voto para o Legislativo e para o Executivo e fim das
coligações eleitorais. A seguir, tratá-los-ei um por um.
No que concerne ao
sistema de eleição para os Legislativos, a primeira coisa a ser criada para um
sistema otimizado seriam os distritos. Algo que existe em toda a Europa e EUA
mas que não foi adotado, estranhamente, por países latino-americanos. Nestes
países apenas existe o distrito na sua concepção genérica. Ou seja, nela um
Estado e um munícipio podem ser tidos como distritos. O distrito ao que faço
referência na sua definição estrita, e que não existe no Brasil, é a entidade
regional que está entre os municípios e os Estados. Em cada país pode ter um
nome. Nos EUA e no Reino Unido chamam-no, na tradução literal, de
"condado". Na França de "departamento". Na Espanha de
"províncias". Em Portugal "distrito". E é este o nome
que seria adotado no Brasil.
A confecção dos
distritos poderiam ter como base as chamadas regiões administrativas
atuais que alguns Estados têm ou outras subdivisões de nomes diferentes.
O Estado de São Paulo, por exemplo, tem 15 regiões administrativas, como as que
formam os municípios que estão ao redor e que têm como eixo Campinas, Santos,
Bauru, Sorocaba, São Paulo entre outros. Poderia ter nome próprio ou nome do
município principal, que, a priori, seria considerado a capital do distrito.
Como ocorre na
Europa e nos EUA as eleições tanto para o parlamento nacional (no âmbito da
Câmara Baixa, a Câmara dos Deputados no Brasil) quanto para o regional (no caso
do Brasil, os parlamentos estaduais, as Assembleias Legislativas) teriam os
distritos como circunscrição.
Cada deputado
eleito pertenceria a um distrito específico. No resto do mundo há, em geral,
três sistemas para a eleição de legisladores. O distrital proporcional (ou
plurinominal); o distrital majoritário (ou uninominal); e o distrital misto
(mais ou menos um híbrido dos dois anteriores).
No primeiro, em
geral, há listas fechadas de candidatos, em que o número de candidatos nela
corresponde ao número de cadeiras que cada distrito tem direito no respectivo
parlamento, além de uma lista de suplentes. Por este sistema, cada partido
elegerá por cada distrito a porcentagem de deputados correspondente a
porcentagem de votação que obteve, definida pelo método D'Hondt, já usado no
Brasil para as eleições da Câmara de Deputados, das Assembleias Legislativas e
das Câmaras Municipais. Ou seja, a única diferença para o atual sistema
brasileiro é que a circunscrição passaria a ser o distrito e não o Estado, como
o ocorre hoje, e o eleitor não poderia escolher o candidato do partido. Na
teoria o sistema vigente é perfeito. Pois permite ao eleitor votar no partido e
escolher para que candidato do partido quer dar o voto, com os mais votados do
partido tendo direito à eleição de acordo ao número de cadeiras que cada
partido teve direito pela porcentagem de votos que recebeu na soma dos votos de
seus candidatos. Porém, na prática, a teoria é outra. A maioria dos eleitores
nem sequer sabe que está votando num partido. Apenas pensa no candidato em que
está votando. E os próprios candidatos, muitos deles, fazem a campanha numa
lógica totalmente individual, até mesmo ocultando a que partido pertencem. Uma
enorme deturpação da natureza querida para o sistema quando de sua implantação.
E, talvez, o pior de tudo, campanhas individuais, significam campanhas mais
caras.
No segundo é eleito
apenas um candidato por circunscrição. Como ocorre na França, EUA e Reino
Unido. Nestes países como o número de deputados nacionais é superior ao número
de distritos, há uma espécie de subdistritos para que, no total, tenham o
número total de deputados. Na França, por exemplo, o distrito (departamento) de
Bocas do Ródanos, cuja capital é Marselha, é dividido em 16 circunscrições, já
que são 16 o número de deputados deste distrito no parlamento nacional gaulês.
Em cada circunscrição há uma eleição para eleger um deputado. No caso francês
há um segundo turno se no primeiro o mais votado não tiver tido mais de 50% dos
votos válidos. Nele participam, além do primeiro, o segundo e o terceiro se
este tiver obtido 12,5% dos votos válidos. Já nos EUA e Reino Unido fica com a
vaga de deputado quem tiver obtido simplesmente mais votos no primeiro turno, ainda
que com menos de 50% dos votos válidos.
No terceiro o
eleitor pode votar duas vezes. Vota para a eleição majoritária de deputados e
vota para a eleição proporcional de listas fechadas deles. A Alemanha, por
exemplo, adota-o. Neste país, dos 598 deputados da Câmara Baixa de seu
parlamento, 299 deles são eleitos via voto distrital majoritário. Ou seja, 299
por cada um das 299 circunscrições eleitorais. E 299 deles são eleitos
proporcionalmente via voto na lista fechada de partidos, distribuídos por cada
Estado federado alemão, cada um com número de deputados de acordo a sua
população.
Não tenho dúvidas
em optar pelo primeiro modelo. Pois é o que garante a representatividade mais
fiel à votação global da população. O segundo e o terceiro favorecem os partidos
com mais votos, que, por regra, tem uma sobrerrepresentação. E penaliza os com
menos, com uma sub-representação ou até nula representação. Na França, por
exemplo, a Frente Nacional (não está em questão o mal que penso deste partido)
teve cerca de 12,5% dos votos nas legislativas de 1993 sem ter logrado eleger
nenhum deputado. Pois não teve nenhum candidato com maioria de votos em nenhuma
das 577 circunscrições do Hexágono. Nas últimas legislativas, com cerca de
13,5% de votos, só obteve duas das 577 cadeiras do parlamento francês. No Reino
Unido é normal que ou Partido Conservador ou o Partido Trabalhista, os maiores
partidos britânicos, obtenham maioria absoluta de deputados com menos de 40%
dos votos globais. Na última eleição, por exemplo, os conservadores conseguiram
56% das cadeiras com apenas 36% de votos em seus candidatos.
Nos países que
adotam o voto em lista fechada há muito reclamação de que o eleitor tem pouca
autonomia, ao não poder pinçar os candidatos, já que a lista deles é definida
pelas direções dos partidos. É verdade que este seria um problema. Mas todos os
sistemas conterão problemas. A questão é encontrar o menos imperfeito. Que para
mim é este. Porém esta questão poderia ser equacionada se fossem instituídas
eleições primárias para a elaboração das listas. As primárias poderiam ser ou
com listas fechadas de pré-candidatos dentro de cada partido, em que cada
eleitor escolheria uma e cuja confecção da lista que iria a votos na eleição
legislativa seria de acordo à proporção de votos que cada lista obteve (este
sistema existe nas eleições primárias da Argentina). Ou com eleições livres dos
pré-candidatos, nas quais comporiam a lista para as legislativas simplesmente
os mais votados, e nas quais não haveria listas. Acho o primeiro sistema de
eleições primárias melhor.
As eleições
estaduais e municipais teriam a mesma natureza de sistema. A diferença é que as
municipais teriam uma circunscrição única. O próprio município.
No referente ao
financiamento das campanhas, seria tendencialmente com dinheiro do erário.
Também seriam aceitos pequenos donativos. Não mais do que R$ 3 mil. Num país
como o Brasil, em que a participação política é baixa, dificilmente haveria
muita arrecadação via donativos. Por isto seria importante que as campanhas
contassem com dinheiro público. 50% do financiamento seria dividido por igual
pelos partidos que tivessem tido eleitos nas últimas eleições. Outros 50% seria
de acordo à votação nas últimas eleições legislativas. Entretanto os valores
que o Estado destinaria às campanhas seria muito menor do valor astronômico que
os candidatos usam para suas campanhas atualmente. E só o fato das eleições
legislativas serem por lista fechada já diminuiria em muito a necessidade de
gastos. Hoje cada eleição legislativa apresenta milhares de campanhas, já que
são milhares os candidatos.
Outro fator que faria
com que houvesse menos necessidade de gastos com campanhas seria a grande
diminuição de seu tempo. Hoje o Brasil tem meses de campanhas, de agosto a
outubro. Campanhas podem muito bem ser feitas num período bastante mais curto.
Em grande parte da Europa, por exemplo, há somente duas semanas de pré-campanha
e duas semanas de campanha.
O fim das grandes
doações, em geral, advindas de empresas, fortaleceria a democracia brasileira.
Hoje há uma enorme promiscuidade. Ao fim e ao cabo, os altos valores que grandes
empresas doam têm por finalidade, obviamente, um interesse escuso
pós-eleitoral. Até porque doam para vários partidos e candidatos. Têm por alvo
que os eleitos tenham, como diz o jargão popular, "rabo preso" com
elas. Atendendo os seus interesses após a eleição. Além disto o financiamento
empresarial é extremamente desleal, prejudicando, claramente, quem tem
menos arrecadação e mais independência na relação com o empresariado. Pode-se
dizer que no financiamento empresarial de campanha a democracia está
sequestrada. No final das contas, com dinheiro do Orçamento na campanha,
haveria uma grande economia real e menos corrupção.
No tocante à
descentralização do país, proponho a criação dum novo ente da Federação, que
seriam, justamente, os já citados distritos. Estes formariam governos. Ou seja,
seriam entidades que estariam entre os governos municipais e estaduais. É assim
em quase toda a Europa e nos EUA. Há questões, como saneamento básico, coleta
de lixo e transporte público, que transcendem o marco municipal e cujo
tratamento seria otimizado em administrações distritais. São problemas comuns a
municípios vizinhos e dependem de soluções comuns. Seu foro ideal seria,
justamente, um governo distrital. Já existem no Brasil alguns órgãos que
agrupam municípios, seja dentro da administração estadual, como as já citadas regiões administrativas, seja fora delas, em entidades que reúnem municípios
vizinhos. Por que não dotá-las de caráter democrático, na forma de governos
distritais, elegendo seus representantes?
Além do governo
distrital, os distritos contariam com um Legislativo. Para sua eleição, cada
município seria a circunscrição, elegendo um número de legisladores
proporcional ao tamanho de sua população. E o sistema seria o de lista de
fechada, também com eleições primárias.
Outro vetor da
descentralização governamental seria a criação ou desmembramento de municípios
e Estados. No Brasil há municípios e Estados muito grande territorialmente e de pequeno número.
Para se ter uma ideia, a Argentina, muito menor do que o Brasil, com 2 780 400
km² (o Brasil tem 8 514 877 km²) e 43 131 966 de habitantes (o Brasil tem 202
768 562), tem 24 entidades governamentais equivalentes aos Estados brasileiros,
apenas três a menos do que o Brasil. A França, com 66 007 374 de habitantes e 675
417 km², tem 36.682 municípios (alguns com somente algumas dezenas de
habitantes) contra apenas 5.564 do Brasil. Uma diferença proporcional imensa.
Quanto mais governo
de proximidade houver será mais fácil resolver os problemas da cidadania.
Principalmente tratando-se de questões comezinhas.
Já sei que pedir o
aumento de número de Estados e municípos e a criação de mais um ente da União
teria um forte rechaço. Principalmente da mídia, com sua habitual visão obnubilada.
O argumento seria mais órgãos Legislativos e Executivos, mais gastos. De fato,
teriam razão vendo por este prisma. Entretanto, a descentralização teria que
vir junto, obrigatoriamente, com um emagrecimento das estruturas do poder
político. E há muita gordura para aspirar-se no referente a elas no Brasil.
Começando pelo
cargos comissionados, que deveriam ser praticamente extintos. Como regra, os
únicos na Administração Pública no Brasil sem ter vindo de concursos públicos
deveriam ser os secretários e ministros e os que ocupam nas secretarias e
ministérios postos de tarefa eminentemente de confiança política. Sendo que o
número máximo destes deveria ser fixados por lei. Gastos em áreas de natureza
supérflua ou secundária, como os de comunicação, deveriam ser praticamente
extintos ou que houvesse um fixado e limitado valor % dos Orçamentos para
gastos com elas. Hoje as Administrações Públicas brasileiras dão-se ao luxo de
gastar até com cerimonial!
E o que falar de
gastos com equipes de assessores de vereadores, deputados e senadores? De gastos
extrassalariais com eles, como moradia, deslocamento, assistência médica, conta
de telefone e até assinatura de jornais e revistas? Despesas que deveriam ser
eliminadas quase totalmente. Se o legislador quiser ter assessores, por
exemplo, poderia tê-los tranquilamente. Mas teria que contratá-los pagando-os
de seu bolso.
No global
gastar-se-ia menos com despesas mais enxutas e com novos Estados, municípios e
com a criação dum novo ente da União do que com as atuais despesas suntuosas e
com um número relativamente pequeno destes e sem este novo ente. O prefeito dum
município muito pequeno, por exemplo, teria um salário muito baixo,
considerando que suas tarefas seriam pequenas, quase no nível de quem hoje
participa duma associação de bairro.
No relativo ao
calendário eleitoral, o Brasil não pode seguir com eleições federais e
estaduais ao mesmo tempo. É imperioso para o debate que sejam realizadas em
anos distintos. A campanha das eleições presidenciais eclipsam as campanhas das
eleições estaduais. Já as eleições municipais, as menos importantes, não têm
"concorrência" na campanha. O ideal seria que cada esfera da União
tivesse sua data própria de eleição.
Já sei que haveria
muita reclamação pelo fato de com isto haver muito tempo de campanhas. Esta questão
seria perfeitamente equacionada com a já citada redução do tempo de campanha.
Talvez o que seria
mais contestado de minha reforma política ideal é a instauração do voto casado
para o Legislativo e Executivo para todos os entes da União. Este sistema
existe no país mais politizado e, segundo pesquisas, mais próspero da América
Latina, o Uruguai. Por exemplo, quem votasse no candidato a presidente do PSDB
teria que votar automaticamente na lista de candidatos a deputados federais e
nos candidatos a senador dos tucanos. Quem votasse no candidato a governador de
São Paulo do PT estaria votando automaticamente na lista de candidatos a
deputados estaduais do partido da estrela vermelha.
Este voto casado
faria com que o eleitor votasse num projeto global e daria muito mais
estabilidade a um Executivo, pois seria muito mais fácil que o parlamento
eleito numa eleição fosse de sua cor política. Hoje o que mais se vê no Brasil
é o Executivo tendo que fazer das tripas coração, de modo legal e ilegal, para
poder ter aliados no Legislativo.
Talvez não só isso
bastasse para que a relação entre Executivo e Legislativo fosse mais racional.
Para que houvesse mais possibilidade de que houvesse esta racionalidade,
estaria o último tópico de minha reforma política ideal, o fim das coligações.
Não sou contra a
natureza das coligações. Funcionam bem em vários países. Mas no Brasil quase só
servem para engordurar o parlamento. Muitas não são feitas de acordo a lógicas
de caráter ideológico. Na maioria das vezes o partido A se coliga ao partido B
apenas para ter mais tempo de campanha na televisão. Em troca o partido B tem
mais chances de eleger deputados, coligando-se a um partido mais forte. Ou
seja, o partido A.
Um dos maiores
problemas para a governação no Brasil é o grande número de partidos com
representação parlamentar e de natureza ideológica redundante entre eles. O
Brasil, ao contrário do que quase todos pensam, tem poucos partidos. Apenas 32.
Cifra muito inferior a da Espanha, que tem 84 partidos. Mas estes 32 acabam
sendo excessivos, de acordo ao modo como agem. Sendo que a grande maioria deles
logra eleger deputados.
Com o fim das
coligações, cada partido deveria lutar pelo voto sozinho e obrigatoriamente
deveria apresentar, de acordo à regra do sufrágio vinculado para o Executivo e
Legislativo, um candidato ao Executivo. Isto tornaria muito mais difícil a
eleição de legisladores dos chamados partidos de aluguel (Não sendo necessária
a instituição da cláusula de barreira, pedida por muitos, mas que ceifaria a legítima
representação de partidos pequenos e que têm uma ideologia por trás, como o
PSOL e em menor medida o PV) pois não sobreviveriam "à intempérie",
tendo que disputar eleições sozinhos. O resultado, provavelmente, seria a
migração dos políticos que formam estes partidos a partidos maiores, como o PT,
o PSDB ou o PMDB. Num prazo mais longo, talvez, houvesse um ajuste ainda maior
dos partidos brasileiros, com o desaparecimento do PMDB (partido cujo vazio
ideológico é tão grande quanto o seu número de eleitos) e em que só teriam
representação parlamentar poucos partidos de natureza social-democrata,
socialista, liberal-conservador e ecologista.
Certamente, se
acabar saindo uma reforma política nos próximos tempos, haverá muito pouco
desta minha reforma política ideal. Como muito, voto em lista fechada e fim do
financiamento empresarial de campanha. O que já seria alvissareiro. Mas mesmo
estas duas coisas, sou pessimista que sejam incluídas nela. Os deputados
brasileiros sabem que quanto mais mudar a regra do jogo, mais risco de não
lograrem renovar seu mandato terão. Por isto só tenho esperança de que uma
constituinte exclusiva para a reforma política pudesse fazer com que houvesse
uma mais próxima ao que considero mais democrático. Mas para esta também seria
necessária a aprovação dos deputados convencionais. Ou seja, não será fácil
eludir este círculo vicioso.