sábado, 15 de abril de 2017

LISTA FECHADA JÁ!

O Brasil tem, na teoria, o melhor sistema do mundo de eleição de deputados federais e estaduais e vereradores. Pois o eleitor pode pinçar o candidato do partido em que está votando. Porém este sistema, na prática, tornou-se medonho.

O eleitor, embora esteja votando numa primeira leitura num partido e só depois discriminando o candidato deste, nem sequer, em geral, sabe o nome da sigla a que pertence o candidato e muitos destes tampouco fazem a divulgação desta quando da campanha.

Ou seja, temos um quadro totalmente contrário à lógica da democracia partidária, tanto numa ponta como na outra. O que deturpa amplamente o sentido do sistema.

O eleitor ao pensar apenas no candidato em que está votando lixa-se em saber se este tem alguma ligação ideológica com o seu candidato para o Executivo. Isto tem duas consequencias básicas. Primeiro, torna muito mais provável que a composição maioritária dos parlamentos não seja da cor política do candidato eleito para o Executivo. Segundo, fomenta a pulverização de partidos com representação parlamentária. Como a figura do partido no imaginário do eleitor tem pouca importância, para um determinado candidato as chance de votos não estarão relacionadas ao seu partido. O que produz, na votação global por partido, um equilíbrio muito grande, com nenhum alcançando uma expressiva votação e com muitos elegendo legisladores. Por exemplo, na Câmara de Deputados, o partido que mais elegeu deputados no escrutínio de 2014, o PT, elegeu apenas 13,66% dos deputados (com as trocas partidárias hoje o partido com mais deputados é o PMDB com 12,48% dos deputados). Já o número de partidos que elegeram deputados foi 28!  Coisas quase sem paralelo no resto do mundo. E uma bizarrice, sem dúvida. Isto torna os municípios, os Estados e o país muito dificilmente governáveis por parte dos Poderes Executivos. E para contornar a ingovernabilidade encontra-se como solução a corrupção (como a compra de legisladores) ou distribuição de cargos para a conquista de aliados no meio do caos que significa a grande fragmentação partidária nos parlamentos.

Especula-se como um dos tópicos principais duma possível reforma política sobre a alteração das listas abertas pelas fechadas, em que o eleitor votaria única e simplesmente num determinado partido, sendo eleitos os candidatos melhores colocados nelas de acordo a uma ordem de lugares estabelecidas por estes.

Em razão da «sacrossanta» proibição por parte do STF do câncer que significava o financiamento empresarial de campanha (algo que a operação Lava Jato mostra com as óbvias contrapartidas que eram feitas às construtoras doadoras investigadas) tornou-se extremamente difícil obter recursos para os gastos para o proselitismo eleitoral, já que cada um dos candidatos a cargos legislativos faz o seu próprio.

Com a lista fechada, somente o partido, como instituição, teria a necessidade de fazê-lo, tornando, consequentemente, as necessidades de gastos bem menores. Este é um dos motivos pelos quais, mesmo em termos proporcionais, as campanhas na maioria dos outros países são mais baratas do que as do Brasil. Neles, basicamente, ou a eleição para legisladores é em lista fechada (como na maioria dos demais países da América Latina) ou é uninominal, com cada circunscrição elegendo, de modo majoritário, apenas um candidato, ou é um misto entre os dois, como na Alemanha, em que 50% de sua Câmara Baixa, o Bundestag, é eleita num círculo nacional, com eleição proporcional aos votos recebidos por cada partido em suas listas fechadas, e 50% é eleita pelas circunscrições eleitorais nas quais o país está dividido. Ou seja, um eleito por circunscrição.

No Brasil de acordo à Constituição Federal, a eleição de deputados deve reger-se pela proporcionalidade. O que tornaria inconstitucional o voto uninominal e até mesmo o misto entre o uninominal e o de lista fechada proporcional. Ou seja, qualquer substituição do atual sistema só poderia dar-se, salvo que houvesse uma emenda constitucional, pela manutenção das listas (hoje ordenadas pelo eleitor com a liberdade de se escolher um candidato), mas com o seu fechamento.

A maioria tanto de analistas políticos, como de jornalistas como de políticos é contra a lista fechada. Argumentam que a eleição será contralada pela burocracia partidária, que o eleitor não terá direito a escolher o seu deputado (como se o trabalho parlamentar fosse algo individual e não coletivo) e que os políticos indiciados na Lava Jato colocar-se-iam nos primeiros lugares na lista, podendo, assim, eleger-se mais facilmente do que se tivessem de conquistar individualmente o voto do eleitor. Deste modo poderiam manter sua imunidade parlamentar.

Não nego que podem ser problemas colaterais que o fechamento das listas traria. Porém não se pode buscar a perfeição em tudo e as consequencias negativas são bem maiores com a lista aberta. Tamanho são os problemas derivados dela, que não consigo saber se a oposição à lista fechada é derivada de teimosia, de burrice ou de cinismo. Creio que é uma mistura dos três. Mas como no Brasil falta muita cultura política, mesmo para os que participam dela, julgo que prevaleça mais o segundo.
Muitos falam, como alternativa, em cláusula de barreira (em que o partido só poderia eleger legisladores se obtivesse um mínimo de votos em âmbito nacional ou um número mínimo de votos em um número mínimo de Estados) e na proibição das coligações.

No referente à segunda, não tenho reparos, vendo-a como uma mudança positiva. Já sobre a cláusula de barreira, pensando na funcionalidade fria, não serviria para tornar as necessidades de gasto de campanha menores, o que num contexto em que a proibição de empresas está proibida, fomentaria a participação do crime organizado no financiamento desta. É o que já se ouviu falar nas campanhas das eleições municipais de 2016.

A cláusula de barreira certamente poderia conter um pouco a pulverização dos partidos nos parlamentos e afastar alguns dos partidos fisiológicos (entretanto sem afastar o principal deles, o PMDB e muito injustamente alijando partidos pequenos com uma ideologia por trás, como o PSOL e o PC do B), mas seria muito menos eficaz neste objetivo do que o seria o voto em lista fechada.

A razão pela qual o voto em lista em fechada tenderia a diminuir o número de partidos nos parlamentos e a concentração de votos em poucos deles é que os eleitores estariam mais propensos a votar em partidos que fossem dos seus candidatos ao Executivo. A própria dinâmica da campanha levaria o eleitor a adotar o vínculo no seu votos. É isto o que, em geral, ocorre nos demais países da América Latina, todos presidencialistas, como o Brasil, mas com voto em lista fechada. Na maioria deles, os parlamentos têm uma maioria governista, fruto da naturalidade da eleição, e não das alianças promíscuas pós-eleitorais, como no Brasil.

O ideal seria como no Uruguai, em que o voto ao Poder Executivo está obrigatoriamente vinculado ao voto ao Poder Legislativo (mas no Brasil isto seria uma utopia).

Claro que o voto em lista fechada e a provável diminuição de partidos com representação parlamentar estaria longe de fazer com que acabasse a corrupção. Diria que o Brasil é um país corrupto por natureza. Vejam o comportamento do povo para questões comezinhas da vida cotidiana. Porém cortaria em muito as necessidades dum governo ser corrupto para ter funcionalidade. Além de fazer com que os brasileiros aprendessem a ver a política de modo mais partidário e menos individual.

O voto em lista fechada e um novo sistema de financiamento de campanhas, que teria de ser apenas público (pois empresas só vão doar com interesses de contrapartida por trás e o financiamento via contribuição limitada individual seria muito pequeno num país em que a maioria das pessoas não se interessam por política e até a detestam) fariam com que o Brasil desse um salto qualitativo. Dariam muito mais teor de democracia à política no país.