O
Brasil tem, na teoria, o melhor sistema do mundo de eleição de
deputados federais e estaduais e vereradores. Pois o eleitor pode
pinçar o candidato do partido em que está votando. Porém este
sistema, na prática, tornou-se medonho.
O
eleitor, embora esteja votando numa primeira leitura num partido e só
depois discriminando o candidato deste, nem sequer, em geral, sabe o
nome da sigla a que pertence o candidato e muitos destes tampouco
fazem a divulgação desta quando da campanha.
Ou
seja, temos um quadro totalmente contrário à lógica da democracia
partidária, tanto numa ponta como na outra. O que deturpa amplamente
o sentido do sistema.
O
eleitor ao pensar apenas no candidato em que está votando lixa-se em
saber se este tem alguma ligação ideológica com o seu candidato
para o Executivo. Isto tem duas consequencias básicas. Primeiro,
torna muito mais provável que a composição maioritária dos
parlamentos não seja da cor política do candidato eleito para o
Executivo. Segundo, fomenta a pulverização de partidos com
representação parlamentária. Como a figura do partido no
imaginário do eleitor tem pouca importância, para um determinado
candidato as chance de votos não estarão relacionadas ao seu
partido. O que produz, na votação global por partido, um equilíbrio
muito grande, com nenhum alcançando uma expressiva votação e com
muitos elegendo legisladores. Por exemplo, na Câmara de
Deputados, o partido que mais elegeu deputados no escrutínio de 2014, o PT, elegeu apenas 13,66% dos deputados (com as trocas partidárias hoje o partido com mais deputados é o PMDB com 12,48% dos deputados). Já o número de partidos que elegeram deputados foi 28! Coisas quase sem
paralelo no resto do mundo. E uma bizarrice, sem dúvida. Isto
torna os municípios, os Estados e o país muito dificilmente
governáveis por parte dos Poderes Executivos. E para contornar a
ingovernabilidade encontra-se como solução a corrupção (como a
compra de legisladores) ou distribuição de cargos para a conquista
de aliados no meio do caos que significa a grande fragmentação
partidária nos parlamentos.
Especula-se
como um dos tópicos principais duma possível reforma política
sobre a alteração das listas abertas pelas fechadas, em que o
eleitor votaria única e simplesmente num determinado partido, sendo
eleitos os candidatos melhores colocados nelas de acordo a uma ordem
de lugares estabelecidas por estes.
Em
razão da «sacrossanta» proibição por parte do STF do câncer que
significava o financiamento empresarial de campanha (algo que a
operação Lava Jato mostra com as óbvias contrapartidas que eram
feitas às construtoras doadoras investigadas) tornou-se extremamente
difícil obter recursos para os gastos para o proselitismo eleitoral,
já que cada um dos candidatos a cargos legislativos faz o seu
próprio.
Com
a lista fechada, somente o partido, como instituição, teria a
necessidade de fazê-lo, tornando, consequentemente, as necessidades
de gastos bem menores. Este é um dos motivos pelos quais, mesmo em
termos proporcionais, as campanhas na maioria dos outros países são
mais baratas do que as do Brasil. Neles, basicamente, ou a eleição
para legisladores é em lista fechada (como na maioria dos demais
países da América Latina) ou é uninominal, com cada circunscrição
elegendo, de modo majoritário, apenas um candidato, ou é um misto
entre os dois, como na Alemanha, em que 50% de sua Câmara Baixa, o
Bundestag, é eleita num círculo nacional, com eleição
proporcional aos votos recebidos por cada partido em suas listas
fechadas, e 50% é eleita pelas circunscrições eleitorais nas quais
o país está dividido. Ou seja, um eleito por circunscrição.
No
Brasil de acordo à Constituição Federal, a eleição de deputados
deve reger-se pela proporcionalidade. O que tornaria inconstitucional
o voto uninominal e até mesmo o misto entre o uninominal e o de
lista fechada proporcional. Ou seja, qualquer substituição do atual
sistema só poderia dar-se, salvo que houvesse uma emenda
constitucional, pela manutenção das listas (hoje ordenadas pelo
eleitor com a liberdade de se escolher um candidato), mas com o seu
fechamento.
A
maioria tanto de analistas políticos, como de jornalistas como de
políticos é contra a lista fechada. Argumentam que a eleição será
contralada pela burocracia partidária, que o eleitor não terá
direito a escolher o seu deputado (como se o trabalho parlamentar
fosse algo individual e não coletivo) e que os políticos indiciados
na Lava Jato colocar-se-iam nos primeiros lugares na lista, podendo,
assim, eleger-se mais facilmente do que se tivessem de conquistar
individualmente o voto do eleitor. Deste modo poderiam manter sua
imunidade parlamentar.
Não
nego que podem ser problemas colaterais que o fechamento das listas
traria. Porém não se pode buscar a perfeição em tudo e as
consequencias negativas são bem maiores com a lista aberta. Tamanho
são os problemas derivados dela, que não consigo saber se a
oposição à lista fechada é derivada de teimosia, de burrice ou de
cinismo. Creio que é uma mistura dos três. Mas como no Brasil falta
muita cultura política, mesmo para os que participam dela, julgo que
prevaleça mais o segundo.
Muitos
falam, como alternativa, em cláusula de barreira (em que o partido
só poderia eleger legisladores se obtivesse um mínimo de votos em
âmbito nacional ou um número mínimo de votos em um número mínimo
de Estados) e na proibição das coligações.
No
referente à segunda, não tenho reparos, vendo-a como uma mudança
positiva. Já sobre a cláusula de barreira, pensando na
funcionalidade fria, não serviria para tornar as necessidades de
gasto de campanha menores, o que num contexto em que a proibição de
empresas está proibida, fomentaria a participação do crime
organizado no financiamento desta. É o que já se ouviu falar nas
campanhas das eleições municipais de 2016.
A
cláusula de barreira certamente poderia conter um pouco a
pulverização dos partidos nos parlamentos e afastar alguns dos
partidos fisiológicos (entretanto sem afastar o principal deles, o
PMDB e muito injustamente alijando partidos pequenos com uma
ideologia por trás, como o PSOL e o PC do B), mas seria muito menos
eficaz neste objetivo do que o seria o voto em lista fechada.
A
razão pela qual o voto em lista em fechada tenderia a diminuir o
número de partidos nos parlamentos e a concentração de votos em
poucos deles é que os eleitores estariam mais propensos a votar em
partidos que fossem dos seus candidatos ao Executivo. A própria
dinâmica da campanha levaria o eleitor a adotar o vínculo no seu
votos. É isto o que, em geral, ocorre nos demais países da América
Latina, todos presidencialistas, como o Brasil, mas com voto em lista
fechada. Na maioria deles, os parlamentos têm uma maioria
governista, fruto da naturalidade da eleição, e não das alianças
promíscuas pós-eleitorais, como no Brasil.
O
ideal seria como no Uruguai, em que o voto ao Poder Executivo está
obrigatoriamente vinculado ao voto ao Poder Legislativo (mas no
Brasil isto seria uma utopia).
Claro
que o voto em lista fechada e a provável diminuição de partidos
com representação parlamentar estaria longe de fazer com que
acabasse a corrupção. Diria que o Brasil é um país corrupto por
natureza. Vejam o comportamento do povo para questões comezinhas da
vida cotidiana. Porém cortaria em muito as necessidades dum governo
ser corrupto para ter funcionalidade. Além de fazer com que os
brasileiros aprendessem a ver a política de modo mais partidário e
menos individual.
O
voto em lista fechada e um novo sistema de financiamento de
campanhas, que teria de ser apenas público (pois empresas só vão
doar com interesses de contrapartida por trás e o financiamento via
contribuição limitada individual seria muito pequeno num país em
que a maioria das pessoas não se interessam por política e até a
detestam) fariam com que o Brasil desse um salto qualitativo. Dariam
muito mais teor de democracia à política no país.