miércoles, 12 de diciembre de 2018

O ÚLTIMO GRANDE DIA

Aquela final da Taça Intercontinental que hoje completa 25 anos, marcara o confronto mais esperado no âmbito clubístico de há muito. Por fim, o quase invencível Milan (que nos últimos dois anos e meio só perdera quatro vezes em jogos oficiais) media forças com o São Paulo, bicampeão da Taça Libertadores e vigente detentor do torneio.

Um jogo que se desenhou por linhas tortas, já que o representante natural europeu no torneio seria o Olympique de Marselha, que tinha proporcionado a maior surpresa ludopédica de 1993, ao bater o Milan na final da Liga dos Campeões Europeus em maio, justamente no mesmo dia em que o São Paulo renovou o título de campeão da Libertadores.

Entretanto, como foram descobertos casos de subornos ligados ao clube mediterrânico no Campeonato Francês, este foi alijado da nobre dipusta, além doutras punições, como ter sido rebaixado para a segunda divisão gaulesa.

O São Paulo chegava para a última e mais importante partida do ano depois duma temporada com mais de cem jogos, num calendário ainda mais insano que o de hoje no futebol brasileiro, e tendo conquistado todos os títulos internacionais que disputou (além da Libertadores, a antiga Supercopa dos Campeões da Libertadores e a Recopa). Ainda que a perda do Campeonato Paulista e do Brasileiro mostrasse sinais dum menor poderio do São Paulo, afetado pelo dinheiro que a Parmalat havia injetado no Palmeiras, a respeito de 1991 e 1992 (biênio em que conquistara no plano estadual e nacional um bicampeonato paulista e um Campeonato Brasileiro). O rival havia justamente eliminado o São Paulo do Brasileiro uma semana antes.

Pode dizer-se que, ainda que tão vencedor quanto, era um São Paulo menos brilhante do que o de um ano antes, quando derrotara o Barcelona por dois a um no mesmo mesmo palco da peleja contra o Milan. O Estádio Nacional de Tóquio. Não tinha mais, por exemplo, o grande astro daquele grupo, o meio-campista Raí, transferido no meio de 1993 para o Paris Saint-Germain.

Já o Milan, vigente bicampeão italiano e que liderava o Campeonato Italiano da então temporada (vindo de fato a conquistá-lo em maio do ano seguinte a par da Liga dos Campões Europeus) não podia contar com quem talvez tenha sido seu melhor jogador de todos os tempos. O centroavante Marco Van Basten. O holandês sofria de fortes problemas no tornozelo desde a temporada europeia de 1992/1993, tendo disputado seu último jogo na derrota do Milan para o Olympique de Marselha e nunca mais tendo podido voltar aos gramados, tendo de ter encerrado precocemente sua carreira.

Muito talvez pela perda de Van Basten, o Milan naquele final de 1993 não era tão bom quanto os das duas últimas temporadas. Ainda assim estava claramente à frente dos rivais tanto no âmbito italiano como no europeu. Era um time muito forte na defesa, contando com dois dos melhores defensores da história, Baresi e Maldini, além de ter um onze titular formado essencialmente por jogadores da seleção italiana (os dois citados, o zagueiro Costacurta, o volante Albertini, o meio-campista Donadoni e o atacante Massaro), francesa (o volante Desailly e o atacante Papin) e romena (Raducioiu).

Era uma época em que havia muito equilíbrio entre os clubes europeus e sul-americanos, muito diferentemente do fosso entre eles que se estabeleceu a partir da Lei Bosman, com os sul-americanos perdendo muito rapidamente seus principais talentos para a Europa e os principais clubes do Velho Continente formando equipes transnacionais tão ou mais fortes do que as próprias seleções de seus países.

Individualmente o Milan era um pouco mais forte do que o São Paulo, que tinha cinco jogadores que viriam a ser campeões do mundo pelo Brasil em 1994, o goleiro Zettti, o lateral-direito Cafu, o zagueiro Ronaldão, o meio-campista Leonardo e o atacante Müller, além de grandes jogadores que tiveram várias passagens pelo selecionado brasileiro, como meio-campista Palhinha e o veterano e um dos melhores volantes da história do futebol brasileiro, Toninho  Cerezo.

Toda a expectativa criada para este choque de gigantes foi correspondida. Foi um jogo cheio de alternativas e de suspense até o final e que terminou com o placar de mais gois da história da Taça Intercontinental desde que a competição começara a ser jogada em solo nipônico.

No primeiro tempo, o São Paulo abriu o placar com Palhinha aos 19 minutos. Mas as maiores  emoções foram reservadas para o segundo tempo, em que Milan empatou com Massaro, aos três minutos, o São Paulo desempatou com Cerezo (curiosamente quando este estava por ser substituído), aos 13 minutos, o Milan empatou novamente com 36 minutos com Papin e o São Paulo, com um "gol espírita" de Müller, estabeleceu o placar final aos 43 minutos. O que lhe valeu o bicampeonato intercontinental e o simbólico título de bicampeão do mundo.

A vitória por três a dois do São Paulo coroou o triênio mais fantástico da história do clube. Foi também a última conquista de grande envergadura do treinador Telê Santana no São Paulo, que depois só viria a conquistar a Recopa no ano seguinte (o outro título do São Paulo naquele ano, a Taça Conmebol, foi sob o comando de outro grande técnico da história do clube, Muricy Ramalho). Ainda que tenha quase conquistado o tricampeonato da Libertadores, tendo perdido para o Vélez Sarsfield a final. Foi, portando, o último dia excelsior do São Paulo com o maior técnico que o clube já teve.

Também foi a última vez em que um clube brasileiro superou um europeu numa disputa do gênero tanto no futebol jogado como no placar, já que o mesmo não se pode dizer de quando o São Paulo foi campeão do Mundial de Clubes derrotando o Liverpool, em 2005, o Internacional foi-o derrotando o Barcelona, em 2006, e o Corinthians foi-o derrotando o Chelsea, em 2012. Em todos estes três triunfos (não cito o Mundial de Clubes logrado pelo Corinthians em 2000, pois nesta ocasião não derrotou um europeu) seus rivais foram claramente melhores, já numa época em que os talentos do futebol estavam concentrados na Europa.

O torcedor são-paulino que viu aquele São Paulo pode considerar-se um privilegiado. Ao menos em relação aos torcedores mais novos, que, salvo uma grande mudança na estrutura do futebol mundial, muito provavelmente, não verão um São Paulo tão bom.